quinta-feira, 6 de julho de 2006

Seleção de Estrelas

Um dia após a eliminação do Brasil da Copa do Mundo 2006, o técnico Carlos Alberto Parreira, ainda em Frankfurt, concedeu uma entrevista tentando explicar o fracasso da seleção brasileira, antes considerada a grande favorita para o título deste ano. De acordo com Parreira, a grande culpada foi a expectativa de todos os brasileiros em ver sua seleção campeã do mundo pela sexta vez. “Desde o começo foi quase um Big Brother...”, disse, ao citar a cobertura jornalística em torno dos atletas brasileiros.

Big Brother? Analisando todo o trabalho da imprensa brasileira nesta copa, fica claro que Parreira apenas falou o óbvio. Excetuando-se a Alemanha, o Brasil foi o país com o maior número de jornalistas cobrindo o evento. Não era apenas o futebol dos jogadores que interessava. O que eles comiam, onde dormiam, como se divertiam. Tudo se transformou em notícia.

Que os torcedores e jornalistas se interessavam por toda e qualquer aparição dos ídolos não há qualquer dúvida. E não poderia ser diferente. A atração do ser humano por heróis do esporte não é novidade. Na Grécia antiga, os vencedores das Olimpíadas tornavam-se mitos, heróis citados por gerações.

A questão não é se os torcedores brasileiros deveriam mudar seu interesse e tietagem ou se a imprensa deveria fingir não ver as aparições e negar-se a cumprir com seu trabalho de levar aos torcedores as informações que eram de seu interesse. A questão é: Quem permitiu que esse Big Brother acontecesse? Quem deu espaço para que os exageros da imprensa se tornassem reais? No programa Big Brother, que foi sucesso absoluto no Brasil em todas as suas edições, as pessoas, até então anônimas, eram monitoradas por seu próprio consentimento na tentativa de tornarem-se conhecidas. Não foi diferente com a seleção nesta copa. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) fez acordos com a rede Globo e permitiu a aproximação constante e exclusiva dos profissionais da emissora aos atletas da seleção, que já não eram anônimos. Todos os errôneamente chamados treinos não passaram de espetáculos para torcedores enlouquecidos de todas as partes do mundo. Nenhum dos treinos teve os portões fechados. Treino tático? Não existiu. Treinar jogadas, cobranças de faltas ou pênaltis? Também não. Os goleiros foram os únicos a treinar cobranças de pênaltis, talvez para mostrar suas habilidades extra-gol. Os treinos da seleção eram como jogos de fins de semana entre amigos. Ronaldinho Gaúcho com suas firulas era a grande atração. Cada jogador tinha interesse em mostrar seu talento. Parreira não buscava o espetáculo, mas jamais negou a exposição. Sempre que a Globo quis uma entrevista, teve. Não importava a hora que tirasse os jogadores ou o técnico da descontraída concentração. Se alguém foi responsável pela badalação em torno dos brasileiros foram os dirigentes da CBF, a comissão técnica e os próprios jogadores.

E não foi apenas isso. Na Suíça, deveria ter acontecido a concentração pré-copa, mas o que houve foi uma viagem turística, patrocinada pela cidade que buscava lucrar com a badalação que os brasileiros prometiam levar. A concentração permitia visitas a festas e presença de parentes e amigos em momentos decisivos. Como se concentrar no campeonato com tanta distração?

Em outra parte da entrevista, Parreira também declarou que precisava de mais tempo para treinar essas estrelas, que eram boas individualmente, mas não renderam o que poderiam, coletivamente. Foi apenas mais uma frase óbvia. Não é necessário ser técnico ou entendido de futebol para perceber que eles não formaram uma verdadeira equipe. Jamais trabalharam juntos em busca de um ideal: a copa. Individualmente, todos tinham ideais. Para alguns deles foi a copa da quebra de recordes. Ronaldo se tornou o maior artilheiro da história das copas. Cafu é o jogador presente em mais partidas pela seleção em copas do mundo. Parreira é o técnico que mais vezes foi a uma copa e se aproximou do recorde de jogos. Adriano fez o gol que tornou o Brasil o primeiro país a alcançar a marca dos 200 gols em copas. Recordes, recordes e recordes que marcaram o nome desses profissionais na história do futebol e serão ostentados sempre de forma orgulhosa sem, no entanto, ter trazido o título ao país do futebol. As metas que cada um traçou, individualmente, foram alcançadas.

A dúvida é se havia uma meta coletiva para conquistar o hexa.  Se a meta existia, motivação para tal ficou evidente que não. O orgulho de representar o país pareceu nunca estar presente. A vibração da vitória desapareceu. Cada vitória era vista como algo normal que viria naturalmente. Nem as lágrimas da derrota, quando existiram, pareceram tão espontâneas e verdadeiras quanto as lágrimas argentinas e inglesas.

O objetivo, talvez, não tenha ficado claro. As palestras, broncas e aplausos do líder não foram vistos em momento algum. Enquanto o time sucumbia em sua própria falta de atenção e de vontade, Parreira parecia indiferente. É claro que ele não estava indiferente. É possível que estivesse paralisado sem acreditar no que via ou que seus sentimentos fossem de profunda frustração, mas era ele o responsável por acender na equipe a chama da luta, da vontade de buscar a vitória, ainda que ela não viesse. Era ele quem deveria formar a equipe vencedora. Deveria fazer com que os atletas se esforçassem como se fazia na Roma da era Medieval, onde a grande atração era lutar até o fim pela vida, pois a derrota vinha acompanhada da morte. A entrega total jamais foi exigida pelo técnico, como fazem Felipão (técnico da seleção em 2002 e agora em Portugal) e o técnico de vôlei Bernardinho.

Agora toda a imprensa mundial vive de exaltações para a equipe da França, dizendo que eles jogaram horrores e que Zidane deu seu grande show na copa de sua despedida do futebol. Até Parreira usou palavras semelhantes, quando disse: “A França fez um jogo quase perfeito contra nós... eles foram melhores”. Parece que ser óbvio é uma característica do técnico. Que os franceses foram melhores ficou claro. Porém, Parreira não quis comentar o porquê da França ter sido melhor. Sem marcação, qualquer grande jogador daria um show diante daquela equipe. Nem precisava ser Zidane ou Henry. Foi fácil para a seleção francesa ser superior ao Brasil, pois os jogadores brasileiros não estavam ali. Os franceses pareciam jogar sozinhos.

No entanto, se forem levados em consideração os lances de perigo para a seleção brasileira, os franceses deram menos sustos do que os ganeses. O que faltou aos africanos foi malícia e competência nas finalizações. A França foi melhor, mas precisou de uma bola parada e de uma terrível falha de marcação para chegar ao gol de um Brasil que em nenhum momento da copa pareceu Brasil. Venceu jogos fáceis e sofreu para superar croatas e australianos. Os franceses não jogaram horrores, seu futebol médio foi o suficiente para vencer aquela irreconhecível seleção brasileira que se julgava imbatível e acreditava que poderia vencer sem esforçar-se e sem treinar.

O sonho acabou. Cada jogador vai voltar ao seu time, a maioria deles na Europa, e continuar a ganhar os seus milhões. Não irão sequer enfrentar a fúria da torcida. E os brasileiros comuns voltarão à vida normal e se lembrarão de seus problemas: violência, pobreza, desemprego, corrupção política, entre muitos outros. Um de seus únicos momentos de alegria, a vitória no futebol, ficará adiada para 2010.

Se for mesmo tradição que europeus ganhem na Europa, como disse Pelé, também é tradição que fora do Velho Continente, sul-americanos fiquem com o título. Que na África do Sul seja mantida a tradição e que o sul-americano campeão seja o Brasil e não a Argentina. Au revoir!

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