sexta-feira, 21 de julho de 2006

Indignação

Para o cidadão paulista, não é novidade ligar a televisão e ouvir sobre homens bomba e ataques terroristas no Oriente Médio ou sobre a opressão das FARC à população colombiana. Notícias de tiroteios entre policiais e traficantes ou toques de recolher ordenados pelo tráfico no Rio de Janeiro também não é algo novo. Todos já se acostumaram a esse tipo de informações e nem se indignam mais com isso.

Novidade foram os recentes ataques do crime organizado contra as forças do estado de São Paulo. Dois meses após a primeira onda de atentados, os paulistas, acostumados a ver de longe situações parecidas em outras partes do mundo, acompanharam perplexos novos ataques. A situação foi observada em diversas cidades do estado de São Paulo, embora os maiores transtornos pudessem ser notados na capital, uma cidade com mais de dez milhões de habitantes, que se transformaram em vítimas do crime organizado e do Estado desorganizado e ausente.

Ônibus incendiados, agências bancárias atacadas, concessionárias de automóveis e supermercados destruídos, além dos ataques a delegacias, bases da PM e prédios públicos. A população foi diretamente atingida porque o patrimônio privado e os transportes públicos foram os alvos principais desta vez.

No último 13 de julho, quando um dos maiores centros urbanos do mundo se preparava para mais um dia foi impedido de fazê-lo. Ônibus estavam sendo incendiados em várias partes da cidade desde a noite anterior e durante a madrugada. Os empresários do transporte tiraram os ônibus de circulação para evitar maiores prejuízos. Com quase nenhum ônibus nas ruas, era impossível chegar a qualquer lugar. Outros meios de transporte mais eficientes, como o metrô e o trem, não alcançam todos os pontos da cidade, causando uma dependência excessiva dos ônibus. As pessoas, que levantaram cedo, não puderam cumprir com os seus afazeres diários. O direito de ir e vir deixou de ser respeitado.

O que causa maior perplexidade é o fato de que o comando para que tais atentados acontecessem partiram de marginais que estão sob a tutela da justiça em presídios do estado. Por que estão presos se continuam a comandar o crime? Qual o papel das penitenciarias senão isolar criminosos perigosos?

Onde está o Estado neste momento? Nas afirmações de que tudo está sob controle quando qualquer cidadão sente que não está? Ou no jogo de empurra-empurra? Ninguém quer ser considerado culpado num ano eleitoral. O PSDB, que governou São Paulo nos últimos doze anos, culpa a falta de repasse de recursos do governo federal. O PT, que governa o país, culpa a falta de políticas estaduais nos últimos anos. Quem tem razão? Aquele que não tratou do problema enquanto governava ou aquele que permite que a disputa partidária impeça a liberação de recursos? Cada um aponta a culpa do outro e tenta sair da linha de fogo. Quem paga é o povo de novo.

Na verdade, todos têm a sua parcela de culpa. A situação carcerária em todo o país é problemática há muitos anos. A bomba relógio que foi criada pelos antigos e atuais governantes teria que explodir em algum momento.

Os governos federal e estaduais jamais tiveram uma política capaz de mudar o sistema brasileiro. A cadeia não tem como objetivo ressocializar presos e nem é capaz de isolá-los do contato com seus comparsas que estão nas ruas. O Estado se preocupa na prisão de pessoas que cometeram pequenos delitos e não lhes dá a chance de se regenerarem, misturando-as a grandes criminosos. Nas prisões aprendem com esses grandes o quanto o crime é compensador no Brasil. Criminosos perigosos ensinam e obrigam os pequenos a obedecerem a seu comando sob fortes ameaças. Eles continuam a usufruir de poder e do dinheiro adquirido em seus crimes, ainda que estejam presos. A situação deles é melhor do que a da população, que inclusive, paga pelas refeições servidas nas penitenciárias, que chegam a ser melhores do que as servidas nas escolas, e pela reconstrução de prisões depois das freqüentes rebeliões.

Os cidadãos não conseguem sentir a presença do Estado em suas vidas. Com o Estado ausente, crianças e adolescentes sem perspectiva continuarão a ser aliciados pelo crime. Sentirão que não há oportunidades senão as oferecidas pelo tráfico, como aconteceu em Ribeirão Preto, onde jovens estavam incendiando ônibus a mando de criminosos em troca de dinheiro. Enquanto houver corrupção e impunidade, celulares e armas continuarão a entrar nas penitenciárias e advogados continuarão a trabalhar em prol dos criminosos.

O Estado só é presente na hora em que o cidadão é obrigado a pagar os seus impostos, que são muito altos em relação aos benefícios recebidos. Na saúde, na educação, na segurança pública, no saneamento básico e em muitas áreas primordiais para o bem-estar social, o Estado se omite e deixa o povo a mercê da própria sorte.

E o pior é que a população paulista está se acostumando aos atentados. Na primeira onda de ataques o choque causado no povo e nos jornalistas foi muito forte. A TV passou a transmitir os incidentes em toda a sua programação. As pessoas nem saíram de casa com medo. Desta vez, a TV falou muito menos sobre o assunto e o povo tentou chegar ao trabalho de todas as formas e não se recolheu. Pareceu que estava acontecendo mais um triste evento do cotidiano. É a péssima mania do ser humano de acostumar-se a tudo. Os políticos corruptos e os crimes comuns já foram aceitos. Está sendo permitido, agora, que o PCC e seus ataques, com requintes terroristas, se tornem parte sempre presente da sociedade. A capacidade de indignação está sendo eliminada.

Lula venceu as últimas eleições sob o lema de que “a esperança venceu o medo”. Essa esperança agora se tornou em desilusão e o medo aumentou. Mas não se pode culpar apenas o PT e seu governo. O Brasil já caminhava num processo de aumento da violência desde os anos 80. E nada foi feito em todo esse tempo. A maioridade penal ainda permite que adolescentes conscientes do que fazem não sejam julgados por seus crimes. A justiça ainda é lenta e injusta. O dinheiro e os bons advogados ainda burlam as leis. O tempo de permanência na cadeia e as vantagens de diminuição de pena libertam criminosos perigosos que cumpriram apenas um terço de sua pena. A justiça ainda tenta enganar a opinião pública condenando alguns a mais de cem anos quando todos sabem que o máximo que eles poderão cumprir serão trinta anos. Reformas? Não saem das intenções da sociedade.

O Parlamento brasileiro passou os últimos tempos sem votar projetos na área de segurança pública. O tempo que eles trabalham durante um ano é vergonhoso. Enquanto o povo trabalha um mês inteiro por um salário mínimo de R$ 300,00, os políticos trabalham apenas três meses durante o ano por um salário mensal na casa dos R$ 10.000,00. Nossos políticos sequer têm condições morais para fazer tais reformas enquanto eles mesmos estiverem sendo investigados pela corrupção e pela pizzaria na qual o parlamento se transformou. A limpeza precisa ser realizada de cima para baixo. Deve começar pelo governo e pelas autoridades para assim chegar ao baixo escalão. Leis devem punir, exemplarmente, a corrupção política que envergonha o país internacionalmente tanto quanto a violência urbana.

Cabe a nós nos indignarmos, exigirmos e analisarmos melhor na hora de oferecer nosso voto. Ainda há esperança e, se continuarmos a exigir, algum dia, ela realmente vencerá o medo.

Raça no Morumbi

Em seu estádio, a equipe do São Paulo jamais perdeu para equipes argentinas.

Na noite de ontem (19/06/2006) a tradição se manteve. Após perder por 1 a 0 para o Estudiantes na Argentina, o clube paulista precisava de uma vitória por uma diferença de 2 gols ou mais para se classificar para a semi-final da Libertadores, o mais importante torneio inter-clubes de futebol das Américas. Se vencesse por 1 a 0, a vaga seria decidida nos pênaltis. Qualquer outro resultado classificaria a equipe argentina.

O time do Estudiantes (Argentina), treinado pelo ex-jogador da seleção argentina Simeone, veio para o Brasil pronto para fechar os espaços e não permitir o toque são-paulino, com uma forte marcação para roubar a bola e uma saída rápida em contra-ataque. O esquema argentino, somado ao nervosismo da defesa brasileira, causou vários sustos aos paulistas.

O São Paulo tentou de várias formas furar a barreira formada pelos jogadores argentinos, mas a bola sempre rebatia na defesa e voltava. Até que aos 43 minutos do primeirotempo, numa falta cobrada por Júnior pela esquerda, a bola cruzou a área argentina e sobrou para Edcarlos, que não perdoou e, mesmo sem jeito, chutou para fazer o gol que causou grande euforia e aliviou os 66 mil torcedores que lotavam o Morumbi. Foi o primeiro e único gol do jogo. O segundo tempo continuou com o mesmo esquema. E o resultado de 1 a 0 levou a decisão para os pênaltis.

Nas primeiras cobranças, os goleiros acertaram os cantos, mas não alcançaram a bola. Estava tudo equilibrado. Ricardo Oliveira, Rogério Ceni e Fabão fizeram para o São Paulo e Calderón, Cominges e Luguercio para o Estudiantes. Na quarta cobrança são-paulina, Danilo bateu fraco e Herrera defendeu. O estádio se calou e a torcida são-paulina esperava que o goleiro Rogério Ceni salvasse a noite. E ele não decepcionou. Na cobrança de Alayes, Ceni se adiantou (e muito) e defendeu. Júnior cobrou bem e colocou o São Paulo em vantagem. Na última cobrança argentina, Carrusca teve a chance de empatar a série, mas bateu para fora e classificou o São Paulo para a semi-final.

A equipe paulista espera agora o vencedor do jogo desta noite, em Buenos Aires, entre Vélez Sarsfield (Argentina) e Chivas Guadalajara (México), para saber quem será seu adversário. A partida de ida, em Guadalajara, terminou empatada sem gols.
No estádio do Beira-Rio, em Porto Alegre, o Internacional também se classificou ao vencer a LDU (Equador) por 2 a 0. No primeiro jogo, em Quito, os equatorianos venceram por 2 a 1. Numa das semi-finais, o Internacional enfrentará o Libertad (Paraguai), que eliminou o River Plate (Argentina), após um empate por 2 a 2 em Buenos Aires, e uma vitória por 3 a 2 em Assunção.

É grande a possibilidade de haver uma final brasileira pelo segundo ano consecutivo. Ano passado, o São Paulo foi tri-campeão do torneio ao vencer o Atlético Paranaense na final.


Nota: O Chivas Guadalajara será o adversário do São Paulo nas semi-finais da Libertadores. O time mexicano surpreendeu os argentinos do Vélez Sarsfield, na última noite, em Buenos Aires, venceu o jogo por 2 a 1 e se classificou.

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Seleção de Estrelas

Um dia após a eliminação do Brasil da Copa do Mundo 2006, o técnico Carlos Alberto Parreira, ainda em Frankfurt, concedeu uma entrevista tentando explicar o fracasso da seleção brasileira, antes considerada a grande favorita para o título deste ano. De acordo com Parreira, a grande culpada foi a expectativa de todos os brasileiros em ver sua seleção campeã do mundo pela sexta vez. “Desde o começo foi quase um Big Brother...”, disse, ao citar a cobertura jornalística em torno dos atletas brasileiros.

Big Brother? Analisando todo o trabalho da imprensa brasileira nesta copa, fica claro que Parreira apenas falou o óbvio. Excetuando-se a Alemanha, o Brasil foi o país com o maior número de jornalistas cobrindo o evento. Não era apenas o futebol dos jogadores que interessava. O que eles comiam, onde dormiam, como se divertiam. Tudo se transformou em notícia.

Que os torcedores e jornalistas se interessavam por toda e qualquer aparição dos ídolos não há qualquer dúvida. E não poderia ser diferente. A atração do ser humano por heróis do esporte não é novidade. Na Grécia antiga, os vencedores das Olimpíadas tornavam-se mitos, heróis citados por gerações.

A questão não é se os torcedores brasileiros deveriam mudar seu interesse e tietagem ou se a imprensa deveria fingir não ver as aparições e negar-se a cumprir com seu trabalho de levar aos torcedores as informações que eram de seu interesse. A questão é: Quem permitiu que esse Big Brother acontecesse? Quem deu espaço para que os exageros da imprensa se tornassem reais? No programa Big Brother, que foi sucesso absoluto no Brasil em todas as suas edições, as pessoas, até então anônimas, eram monitoradas por seu próprio consentimento na tentativa de tornarem-se conhecidas. Não foi diferente com a seleção nesta copa. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) fez acordos com a rede Globo e permitiu a aproximação constante e exclusiva dos profissionais da emissora aos atletas da seleção, que já não eram anônimos. Todos os errôneamente chamados treinos não passaram de espetáculos para torcedores enlouquecidos de todas as partes do mundo. Nenhum dos treinos teve os portões fechados. Treino tático? Não existiu. Treinar jogadas, cobranças de faltas ou pênaltis? Também não. Os goleiros foram os únicos a treinar cobranças de pênaltis, talvez para mostrar suas habilidades extra-gol. Os treinos da seleção eram como jogos de fins de semana entre amigos. Ronaldinho Gaúcho com suas firulas era a grande atração. Cada jogador tinha interesse em mostrar seu talento. Parreira não buscava o espetáculo, mas jamais negou a exposição. Sempre que a Globo quis uma entrevista, teve. Não importava a hora que tirasse os jogadores ou o técnico da descontraída concentração. Se alguém foi responsável pela badalação em torno dos brasileiros foram os dirigentes da CBF, a comissão técnica e os próprios jogadores.

E não foi apenas isso. Na Suíça, deveria ter acontecido a concentração pré-copa, mas o que houve foi uma viagem turística, patrocinada pela cidade que buscava lucrar com a badalação que os brasileiros prometiam levar. A concentração permitia visitas a festas e presença de parentes e amigos em momentos decisivos. Como se concentrar no campeonato com tanta distração?

Em outra parte da entrevista, Parreira também declarou que precisava de mais tempo para treinar essas estrelas, que eram boas individualmente, mas não renderam o que poderiam, coletivamente. Foi apenas mais uma frase óbvia. Não é necessário ser técnico ou entendido de futebol para perceber que eles não formaram uma verdadeira equipe. Jamais trabalharam juntos em busca de um ideal: a copa. Individualmente, todos tinham ideais. Para alguns deles foi a copa da quebra de recordes. Ronaldo se tornou o maior artilheiro da história das copas. Cafu é o jogador presente em mais partidas pela seleção em copas do mundo. Parreira é o técnico que mais vezes foi a uma copa e se aproximou do recorde de jogos. Adriano fez o gol que tornou o Brasil o primeiro país a alcançar a marca dos 200 gols em copas. Recordes, recordes e recordes que marcaram o nome desses profissionais na história do futebol e serão ostentados sempre de forma orgulhosa sem, no entanto, ter trazido o título ao país do futebol. As metas que cada um traçou, individualmente, foram alcançadas.

A dúvida é se havia uma meta coletiva para conquistar o hexa.  Se a meta existia, motivação para tal ficou evidente que não. O orgulho de representar o país pareceu nunca estar presente. A vibração da vitória desapareceu. Cada vitória era vista como algo normal que viria naturalmente. Nem as lágrimas da derrota, quando existiram, pareceram tão espontâneas e verdadeiras quanto as lágrimas argentinas e inglesas.

O objetivo, talvez, não tenha ficado claro. As palestras, broncas e aplausos do líder não foram vistos em momento algum. Enquanto o time sucumbia em sua própria falta de atenção e de vontade, Parreira parecia indiferente. É claro que ele não estava indiferente. É possível que estivesse paralisado sem acreditar no que via ou que seus sentimentos fossem de profunda frustração, mas era ele o responsável por acender na equipe a chama da luta, da vontade de buscar a vitória, ainda que ela não viesse. Era ele quem deveria formar a equipe vencedora. Deveria fazer com que os atletas se esforçassem como se fazia na Roma da era Medieval, onde a grande atração era lutar até o fim pela vida, pois a derrota vinha acompanhada da morte. A entrega total jamais foi exigida pelo técnico, como fazem Felipão (técnico da seleção em 2002 e agora em Portugal) e o técnico de vôlei Bernardinho.

Agora toda a imprensa mundial vive de exaltações para a equipe da França, dizendo que eles jogaram horrores e que Zidane deu seu grande show na copa de sua despedida do futebol. Até Parreira usou palavras semelhantes, quando disse: “A França fez um jogo quase perfeito contra nós... eles foram melhores”. Parece que ser óbvio é uma característica do técnico. Que os franceses foram melhores ficou claro. Porém, Parreira não quis comentar o porquê da França ter sido melhor. Sem marcação, qualquer grande jogador daria um show diante daquela equipe. Nem precisava ser Zidane ou Henry. Foi fácil para a seleção francesa ser superior ao Brasil, pois os jogadores brasileiros não estavam ali. Os franceses pareciam jogar sozinhos.

No entanto, se forem levados em consideração os lances de perigo para a seleção brasileira, os franceses deram menos sustos do que os ganeses. O que faltou aos africanos foi malícia e competência nas finalizações. A França foi melhor, mas precisou de uma bola parada e de uma terrível falha de marcação para chegar ao gol de um Brasil que em nenhum momento da copa pareceu Brasil. Venceu jogos fáceis e sofreu para superar croatas e australianos. Os franceses não jogaram horrores, seu futebol médio foi o suficiente para vencer aquela irreconhecível seleção brasileira que se julgava imbatível e acreditava que poderia vencer sem esforçar-se e sem treinar.

O sonho acabou. Cada jogador vai voltar ao seu time, a maioria deles na Europa, e continuar a ganhar os seus milhões. Não irão sequer enfrentar a fúria da torcida. E os brasileiros comuns voltarão à vida normal e se lembrarão de seus problemas: violência, pobreza, desemprego, corrupção política, entre muitos outros. Um de seus únicos momentos de alegria, a vitória no futebol, ficará adiada para 2010.

Se for mesmo tradição que europeus ganhem na Europa, como disse Pelé, também é tradição que fora do Velho Continente, sul-americanos fiquem com o título. Que na África do Sul seja mantida a tradição e que o sul-americano campeão seja o Brasil e não a Argentina. Au revoir!