sexta-feira, 18 de maio de 2007

Laboratório da Paz

O Brasil vive um período de discussões no âmbito criminal. E não é por menos. Uma das maiores ondas de violência da história do país se descortina em frente das autoridades, das elites e da população, em geral.

A violência das grandes cidades não é novidade para ninguém. Há muito tempo, a população brasileira vive atrás das grades de suas próprias casas. Há muito tempo os seqüestros assustam. Há muito tempo os assaltos e os assassinatos são notícias nos principais jornais do país.

No entanto, a ação de grupos criminosos armados e organizados têm surpreendido as autoridades e deixado a população das duas maiores cidades brasileiras assustada.  Recentemente, o caso da morte brutal do menino João Hélio arrastado por um carro após um assalto no Rio causou comoção nacional e reacendeu a discussão sobre maioridade penal e reforma nas leis de execução penal.

Família sofre no enterro do menino João Hélio

Não há dúvidas de que um jovem de 14 ou 16 anos já sabe o que faz e não pode ser considerado uma simples criança inocente, no entanto, seria a diminuição da maioridade penal a solução salvadora dos problemas de violência urbana no Brasil?

Não se espera com este texto provar que a maioridade penal não deva ser diminuída, ao contrário, cada cidadão deve ser responsabilizado por seus atos, tenha 14, 16 ou 18 anos.

No entanto, é importante ressaltar que só a diminuição da maioridade penal não será capaz de resolver os problemas. Ao longo de sua história, o Brasil formou uma sociedade desigual e excludente. A presença do Estado nas áreas mais pobres do país não é sentida por aqueles que deveriam sentir-se plenos cidadãos porque o são no momento em que lhe são cobrados os impostos. Quando se fala de regiões mais pobres deve-se entender que refere-se principalmente às favelas e bairros periféricos das grandes e médias cidades.

Enquanto o país tratar essas pessoas como cidadãos de segunda haverá espaço para que o crime organizado aliste mais soldados para seu exército. Enquanto a população brasileira conviver com uma educação ineficiente e incapaz de oferecer perspectiva de vida melhor aos jovens, haverá crianças e adolescentes que sentirão que a única solução para seus problemas está no crime. Afinal, poucos são punidos e obtém com o crime o que necessitam.

Um grande exemplo de inclusão social é a cidade colombiana de Medellín. Nos anos 90 era considerada a cidade mais violenta do mundo. E, realmente, era. A presença de narcotraficantes nos morros da cidade elevava a morte de jovens a um nível insuportável. O Estado colombiano parecia distante de uma população jogada a própria sorte. O cartel era a lei e o único poder organizado na cidade. Foi quando surgiu a expressão: “Se Medellín é a capital da violência, podemos transformá-la também em laboratório da paz”. Várias medidas foram tomadas para que a sonhada paz se tornasse real, entre elas a de transformar as praças da cidade em centros de cultura. Esculturas de seu mais importante filho, Botero, foram espalhadas por Medellín. Além disso, o governo municipal tentou se aproximar da população. Um sofisticado sistema de teleféricos, chamado de Metrocable, foi construído, mas não com o propósito turístico, e sim de agilizar o transporte da população dos morros para os bairros da cidade. A polícia ocupou permanentemente os morros. A cidade deu perspectivas a sua juventude. A presença policial e a imagem do Estado  inibiu a presença de traficantes. Não foi fácil, houve resistência, mas a população participou quando percebeu o que o Estado estava fazendo por ela. Hoje, os índices de criminalidade em Medellín são menores do que em muitas cidades brasileiras.

Sistema de Teleféricos coletivos em Medellin, Colômbia

Que lições o Brasil pode tirar da experiência colombiana? O país precisa antes de tudo se mostrar presente à população e inibir o crime, sendo mais organizado do que ele. Precisa melhorar sua educação. Precisa investir na criação de empregos. Precisa treinar melhor as forças policiais. E precisa, sim, melhorar suas leis e o cumprimento delas.

Pode o Brasil também ser um "laboratório da paz"? Enquanto os parlamentares continuarem a discutir o aumento de seus próprios salários e não cumprirem sequer um quorum semanal, o brasileiro se sentirá abandonado. É necessária uma mudança nos investimentos e no modo como o governo vê a população. No Brasil, parece que se vive no período feudal, no qual a população servia ao seu senhor. Na sociedade brasileira, os governantes do Estado precisam entender que são servidores e não senhores. Da mesma forma, a população precisa se transformar em inspetor e deixar de ser apenas espectador. O fim da violência está ligado a presença do Estado. Os políticos logo deixarão de discutir o assunto pois voltarão aos seus condomínios fechados, carros blindados e seguranças particulares. A população é que não pode permitir que o assunto caia no esquecimento.